Açaí pode causar doença de Chagas? Entenda polêmica da COP30

A COP30 publicou no sábado (16) uma errata revisando um edital que vetava a comercialização de alimentos no evento, que acontece em novembro deste ano em Belém (PA). O documento classificava como proibidos e com alto risco de contaminação alimentos típicos da culinária do Norte do país, como açaí, tucupi e maniçoba.
Após atuação do Governo Federal, por meio do ministro do Turismo, Celso Sabino, a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) voltou a permitir a oferta de açaí e outras comidas típicas da culinária paraense nos operadores de restaurantes e quiosques da COP30.
Mesmo com a errata, o açaí e o tucupi in natura, assim como a maniçoba, seguem proibidos. A justificativa para a proibição é a possibilidade de contaminação por Trypanosoma cruzi, protozoário transmitido pela picada do mosquito barbeiro e causadora da doença de Chagas.
Mas, afinal, açaí realmente pode causar a condição? Segundo um estudo publicado em 2020 por pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac), publicada no jornal científico Clinical Infectious Diseases, atualmente cerca de 70% dos casos de Chagas podem ser causados pelo consumo de alimentos contaminados, incluindo o açaí.
O trabalho foi feito através de uma revisão sistemática que levou em conta 2.470 casos de doença de Chagas, com ocorrência de 97 óbitos, em publicações de 1968 a 31 de janeiro de 2018. De acordo com Odilson Silvestre, professor líder da pesquisa, as principais formas de contaminação da doença de Chagas acontecem ou pela picada do mosquito Barbeiro ou por ingestão de alimentos contaminados.
“No passado era mais a picada do mosquito, agora é mais por ingestão de alimento contaminado, em especial, o açaí. Mas também, cana de açúcar, sucos e outros alimentos”, explica Silvestre em comunicado publicado na época pela Ufac.
“É importante que as pessoas entendam que o açaí pode conter sim o ‘Trypanosoma cruzi’, o protozoário que causa a doença”, alerta Silvestre.
A relação do açaí com Chagas pode acontecer devido ao seu processamento que, em geral, acontece à noite. O inseto pode depositar suas fezes no local onde o açaí é manipulado. Para evitar que isso aconteça é necessário que o alimento passe por um processo de branqueamento. Nele, o fruto é aquecido a 80 ºC durante 10 segundos. Em seguida, é resfriado antes de ser levado para os equipamentos que dão continuidade ao processamento.
Além de passar por outros produtos de higienização. Isso tira toda a contaminação e mata o ‘Trypanosoma cruzi’, tornando o açaí seguro para consumo”, disse o professor.
O que é doença de Chagas?
A doença de Chagas é uma infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. As principais formas de transmissão é a vetorial, causada pela picada do mosquito barbeiro, e oral, pela ingestão de alimentos contaminados.
A condição pode ser apresentada em duas fases, a aguda e a crônica. Na primeira, os sintomas incluem febre prolongada (dura mais de sete dias), dor de cabeça, fraqueza intensa, inchaço no rosto e pernas e, no caso de picada do barbeiro, lesão no local. Após a fase aguda, se a pessoa não receber o tratamento adequado, ela pode desenvolver a fase crônica, que causa problemas cardíacos e digestivos.
Segundo Silvestre, a doença de Chagas aguda com transmissão oral pode causar uma inflamação do coração chamada miocardite e, em alguns casos, uma inflamação no cérebro chamada encefalite. Ambas condições podem ser fatais.
“É importante que os médicos estejam atentos para fazer o diagnóstico correto quando a pessoa chega no hospital com quadro de doença de Chagas”, afirma. “A mesma pessoa treinada para malária pode fazer o diagnóstico da doença de Chagas”.
Na fase aguda, a doença de Chagas pode ser diagnosticada pelos sinais e sintomas sugestivos da doença. Já na fase crônica, a suspeita diagnóstica também é baseada nos achados clínicos e na história epidemiológica, de acordo com o Ministério da Saúde.
O tratamento da doença de Chagas deve ser indicado por um médico, após a confirmação da doença. O remédio, chamado benznidazol, é fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde, mediante solicitação das Secretarias Estaduais de Saúde e deve ser utilizado em pessoas que tenham a doença aguda assim que ela for diagnosticada. Para as pessoas na fase crônica, a indicação desse medicamento depende da forma clínica e deve ser avaliada caso a caso.